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  • Foto do escritorProfessora Waneza Liberto

Ser Professor - Um desafio para poucos!


Ler e escrever são tarefas da escola, questões para todas as áreas, uma vez

que são habilidades indispensáveis para a formação de um estudante, que é

responsabilidade da escola. Ensinar é dar condições ao aluno para que ele se

aproprie do conhecimento historicamente construído e se insira nessa

construção como produtor de conhecimento. Ensinar é ensinar a ler para que o

aluno se torne capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está

escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é ensinar a

escrever porque a reflexão sobre a produção de conhecimento se expressa por

escrito.


Numa primeira instância, ensinar a ler e escrever é alfabetizar, levar o aluno ao

domínio do código escrito. E já aqui é preciso rever a crença de que ao

alfabetizar-se o aluno não está propriamente aprendendo uma língua, mas

apenas transpondo a língua que já fala para um outro código. Isso não é

verdade para nós, aqui no Brasil. Os estudos de nossa língua falada, levados a

efeito por vários pesquisadores, entre eles um grande grupo de linguistas de

Leitura e escrita são tarefas da escola e não só do professor de

português

todo o Brasil reunidos no Projeto de Gramática do Português Falado, estão

mostrando não só que há uma grande variação linguística (geográfica e social)

interna no País - ao contrário do que sempre disse o mito da unidade linguística

brasileira -, mas também que a língua que falamos difere muito da língua falada

em Portugal, a qual deu origem ao português escrito. Na verdade, hoje

podemos dizer que falamos uma língua e temos de aprender a ler e escrever

em outra língua. E esse novo saber que a ciência da linguagem nos

proporciona faz duas revelações de transcendental importância a nosso

respeito:


a) nós, de fato, falamos muito maio português, não porque sejamos

estúpidos, incompetentes, vagabundos, desleixados, incapazes, como

sempre tentaram nos fazer crer, mas porque falamos - muito bem, tão

bem quanto qualquer outro povo do mundo - uma outra língua, parecida

com o português, com a qual somos capazes de dar conta de nossas

necessidades expressivas;


b) nós falamos uma língua apenas parecida com o português e, por razões

de política cultural, temos de aprender a ler e escrever em português.


Por que são tão importantes essas revelações? Porque, em primeiro lugar,

podemos deixar de nos culpar por não termos aprendido a ler e escrever direito

na escola, pois a escola tentou ensinar-nos a ler e escrever em português

como se fôssemos falantes de uma língua cujas frases têm sujeito e predicado,

cujos pronomes pessoais mudam de forma conforme a função sintática que

exercem na frase, com de-sinências verbais próprias para as segundas e as

terceiras pessoas, cujos futuros são simples e em que o adjetivo concorda com

o substantivo. Como a língua que falamos' não tem nada disso, agora podemos

pôr a culpa na escola, que não nos ensinou direito e nos culpou por não termos

aprendido.


Em segundo lugar, porque podemos, agora, começar a pensar num modo mais

adequado de ensinar a ler e escrever nessa língua que não falamos, nessa

língua apenas parecida com a língua que falamos, nessa língua estrangeira. E aí está um rumo: o aprendizado de uma língua estrangeira começa pela

familiaridade que desenvolvemos com ela. Logo, nós só vamos aprender a ler

e a escrever em português se praticarmos bastante a leitura e a escrita em

português, se praticarmos muito mais do que nos mandaram praticar. Onde?

Só tem um lugar: na escola. E só tem um meio: nós, professores de todas as

áreas, em vez de, nos limitarmos a choramingar que nossos alunos não têm o

hábito da leitura, devemos nos dedicar a proporcionar muitas e muitas

oportunidades para que todos descubram que ler é uma atividade muito

interessante, que a leitura nos proporciona prazer, diversão, conhecimento,

liberdade, uma vida melhor, enfim. E essas oportunidades terão de ser tantas

quantas forem necessárias para que o aluno passe a gostar de ler e por isso,

contraia a necessidade da leitura e que esta vire hábito.


Oportunidade de ler o quê? Tudo, pois o único lugar onde a televisão ainda

pode ser desligada é na escola. A sala de aula é o único lugar onde as crianças

podem ser colocadas quietas nos seus cantos com um livro na mão para

aprender que ler é um diálogo solitário com um texto que se vai desvelando ao

seu olhar. E para a grande maioria de nossas crianças a escola é o único lugar

onde há livro - e não só as da classe popular, onde não sobra dinheiro para

comprar livro, mas também na classe média, onde o dinheiro que sobra não

costuma comprar livro. Ler tudo, desde as banalidades que possam parecer

divertidas até as coisas que o professor julga que devem ser lidas para o

desenvolvimento pessoal do aluno como pessoa sensível, civilizada, culta,

como cidadão, para o estabelecimento de seu senso estético, de sua

solidariedade humana, do seu conhecimento.


Isso é tarefa do professor de português? É. É tarefa do professor de história,

de geografia, de ciências, de artes, de educação física, de matemática... E. E

tarefa da escola: a escola - os professores reunidos na mais básica das

atividades interdisciplinares - vai reservar alguns períodos da semana para que

os alunos se dediquem, em suas salas de aula, à leitura individual, solitária,

silenciosa de todo tipo de material impresso: livros, jornais, revistas noticiosas e

especializadas, romances, contos, ensaios, memórias, literatura infanto-juvenil,

literatura adulta, paradidáticos de todas as áreas, textos de todo tipo, enfim, postos à sua disposição para que o exercício da leitura os transforme em

leitores. E vão ler a respeito de quê? Nessa leitura interdisciplinar de formação

de leitores vão ler, principalmente, o que acharem interessante: começando por

histórias de aventura e de amor, que satisfaçam sua necessidade de fantasia,

passando por poemas de todo tipo, que dêem vazão aos seus sentimentos e

os organizem, passando por reportagens de atualidades, de divulgação

científica, que encaminhem sua curiosidade e forneçam uma base para

dimensionar o mundo em que vivem, notícias sobre a cidade, sobre o estado, o

país, ensaios sobre história do Brasil, da América, do mundo, sobre os

problemas do presente, sobre outros povos, contemporâneos ou antigos, sobre

a política, os costumes, os esportes, a tecnologia, as ciências, as artes etc.

Trata-se fundamentalmente de exercitar a leitura para praticar, numa primeira

instância, a decodificação da escrita, adestrando o olho para enxergar mais do

que uma letra de cada vez, mais do que apenas uma palavra, para entender os

processos de construção das palavras (os radicais, os afixos, as desinências),

para enxergar as discrepâncias que caracterizam a ortografia, para atribuir

significado a expressões, a metáforas, para familiarizar-se com a sintaxe da

língua escrita (a concordância verbal e nominal, as formas e os tempos verbais,

o uso das preposições, as conjunções e outros nexos), para entender o

significado dos sinais de pontuação, o das letras maiúsculas e o das

minúsculas, o das margens do texto, para construir um repertório de enredos,

de personagens, de raciocínios, de argumentos, de linhas de tempo, de

conceitos que caracterizam as áreas de conhecimento, para, enfim,

movimentar-se com desenvoltura no mundo da escrita. Esta leitura de

formação de leitor visa desenvolver no aluno a familiaridade com a língua

escrita através da leitura de todo o tipo de texto, numa quantidade tal que o

faça gostar de ler e de perceber a importância da leitura para sua vida pessoal

e social, transformando-a num hábito capaz de satisfazer esse gosto e essa

necessidade.


E como os professores trabalhariam com esses livros? Ensinando a ler,

começando por colocar o aluno na mais adequada postura para ler: sentados

em silêncio - administrando a retirada dos livros, conversando com o aluno que

solicitar orientação a respeito do assunto do livro, incentivando-o a olhar no dicionário alguma palavra-chave para o entendimento do texto, ajudando o

aluno a usar o dicionário, fornecendo-Ihe indicações bibliográficas nas quais

poderá procurar mais informações a respeito de um assunto que lhe despertou

interesse mais forte, estimulando esse interesse, incentivando-o a falar aos

colegas a respeito do que está lendo, a trocar impressões com os colegas a

respeito de leituras comuns.


E por que em sala de aula e não na biblioteca? Porque a sala de aula é o lugar

onde o professor ensina, onde ele mostra, por sua presença e sua atuação, a

importância da leitura: ele traz os livros, apresenta-os, quer que todos

escolham o que vão ler, fica sabendo do interesse que se vai formando em

cada um, faz sugestões, discute e aprofunda os assuntos, responde perguntas

e lê com seus alunos. A biblioteca é o lugar de outra magia: lá está o tesouro

inesgotável do conhecimento construído historicamente pela humanidade. Na

biblioteca, o aluno, explorando o seu acervo, vai expandir seus interesses: vai

descobrir que existem enciclopédias, mapas, atlas, manuais, revistas, livros de

todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou vai concentrar-se numa leitura de

aprofundamento de um determinado interesse criado na leitura em sala de

aula. A sala de aula é lugar da criação de um vínculo com a leitura, pela

inserção do aluno na tradição do conhecimento. A biblioteca é o lugar do cultivo

pessoal desse vínculo; lá se processa o amadurecimento intelectual.


Ao lado dessa atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de atribuir

sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respectiva área (ou dois ou

mais professores em trabalho multidisciplinar), vai promover a leitura de textos

que valem a pena ser aprofundados: agora todos vão viver o encantamento da

descoberta dos muitos sentidos em um texto decisivo para o conhecimento

produzido pela humanidade. Esta leitura de inserção do aluno no universo da

cultura letrada desenvolve a habilidade de dialogar com os textos lidos, através

da capacidade de ler em profundidade e interpretar textos significativos para a

formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.


O mesmo para a escrita: se nós, professores de todas as áreas,

proporcionarmos a nossos alunos oportunidades para que escrevam muito para dizer coisas significativas para leitores a quem querem informar,

convencer, persuadir, comover, eles acabarão descobrindo que escrever não é

aquela trabalheira inútil de preencher 25 linhas, de copiar livro didático e

pedaços de enciclopédia. Nossos alunos descobrirão que são capazes de

escrever para dizer a sua palavra, para falar deles, de sua gente, para contar a

sua história, para falar de suas necessidades, de seus anseios, de seus

projetos e acabarão por descobrir que são gente, que têm o que dizer, que têm

história, que têm necessidades, anseios, que têm direito a satisfazer suas

necessidades, a fazer projetos, que podem aspirar a uma vida melhor, enfim.

Por isso, cada professor em sua sala de aula vai vincular - através da produção

escrita - conteúdos específicos das áreas com a vida de seus alunos,

solicitando-lhes que escrevam sobre aspectos de suas vidas, propondo que

esses textos sejam lidos para os colegas e discutidos em sala de aula. Cada

professor lerá esses textos com interesse pelo que dizem e não apenas para

corrigir o português ou verificar o acerto de suas respostas. Orientará a

reescrita desses textos para que digam com mais clareza e mais precisão o

que querem dizer. E mandará ler um poema, uma notícia, um conto, uma

reportagem, um artigo, um livro que diga coisas interessantes a respeito de um

tema suscitado nas discussões desses textos, aprofundando essa leitura com

os alunos e pedindo que voltem ao assunto para incorporar os dados novos

trazidos por essa leitura, dando continuidade à discussão.

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